Na sua homilia, o Santo padre diz que ‘a violência que existe no coração humano, ferido pelo pecado, também se manifesta nos sintomas de doença que percebemos no solo, na água, no ar e nos seres vivos’
«Li
smantal Kajvaltike toj lek – a lei do Senhor é perfeita, reconforta a alma»
(Sal 19/18, 8): assim começa o salmo que escutámos. A lei do Senhor é perfeita;
e o salmista encarrega-se de enumerar tudo o que esta lei gera de bom em quem a
escuta e segue: reconforta a alma, torna sábios os simples, alegra o coração, é
luz para iluminar o caminho.
Esta
é a lei que o povo de Israel recebera das mãos de Moisés, uma lei que ajudaria
o povo de Deus a viver na liberdade a que fora chamado. Lei que queria ser luz
para os seus passos e acompanhar o peregrinar do seu povo; um povo que
experimentara a escravidão e a tirania do Faraó, que experimentara a amargura e
os maus-tratos, até que Deus disse «basta», até que Deus disse: «mais não». «Eu
vi a aflição, ouvi o clamor, conheci a sua angústia» (cf. Ex 3, 9).
Manifesta-se aqui o rosto do nosso Deus, o rosto do Pai que sofre com a dor, os
maus-tratos, a injustiça na vida de seus filhos; e a sua Palavra, a sua lei
torna-se símbolo de liberdade, símbolo de alegria, de sabedoria e de luz.
Experiência, realidade que ecoa numa frase nascida da sabedoria criada nestas
terras desde os tempos antigos e assim transcrita no Popol Vuh: «a
aurora veio sobre todas as tribos reunidas. E logo a face da terra foi
purificada pelo sol» (33). A aurora veio para os povos que sucessivamente
caminharam sob as mais variadas trevas da história.
Nesta
frase, há um anseio de viver em liberdade; um anseio que tem o sabor da terra
prometida, onde a opressão, os maus-tratos e a degradação não sejam moeda
corrente. No coração do homem e na memória de muitos dos nossos povos, está
inscrito o anseio por uma terra, por um tempo em que o desprezo seja superado
pela fraternidade, a injustiça seja vencida pela solidariedade e a violência
seja cancelada pela paz.
O
nosso Pai não só compartilha este anseio, mas Ele mesmo o suscitou e suscita
dando-nos o seu Filho Jesus Cristo. N’Ele encontramos a solidariedade do Pai,
que caminha ao nosso lado. N’Ele vemos como aquela lei perfeita assume uma
carne, assume um rosto, assume a história, para acompanhar e sustentar o seu
povo; faz-se Caminho, faz-se Verdade, faz-se Vida, para que as trevas não
tenham a última palavra e a aurora não cesse de vir sobre a vida dos seus
filhos.
De
muitas maneiras e de muitas formas se procurou silenciar e cancelar este
anseio, de muitas maneiras procuraram anestesiar-nos a alma, de muitas formas
pretenderam pôr em letargo e adormecer a vida das nossas crianças e jovens com
a insinuação de que nada pode mudar ou trata-se de sonhos impossíveis. Contra
estas formas, a própria criação sabe levantar a sua voz: «Esta irmã clama
contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos
bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e
dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano
ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na
água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e
maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que “geme e sofre as
dores do parto” (Rm 8, 22)» (Enc. Laudato si’,
2).
O
desafio ambiental que vivemos e as suas raízes humanas têm a ver com todos nós
(cf. ibid., 14)
e interpelam-nos. Não podemos permanecer indiferentes perante uma das maiores
crises ambientais da história. Nisto, vós tendes muito a ensinar-nos, a ensinar
à humanidade. Os vossos povos, como reconheceram os bispos da América Latina,
sabem relacionar-se harmoniosamente com a natureza, que respeitam como «fonte
de alimento, casa comum e altar do compartilhar humano» (Documento de
Aparecida, 472).
No
entanto, muitas vezes, de forma sistemática e estrutural, os vossos povos
acabaram incompreendidos e excluídos da sociedade. Alguns consideram inferiores
os vossos valores, a vossa cultura e as vossas tradições. Outros, fascinados
pelo poder, o dinheiro e as leis do mercado, espoliaram-vos das vossas terras
ou realizaram empreendimentos que as contaminaram. Que tristeza! Como nos seria
útil a todos fazer um exame de consciência e aprender a pedir perdão! Perdão,
irmãos!
O
mundo de hoje, espoliado pela cultura do descarte, necessita de vós. Os jovens
de hoje, expostos a uma cultura que tenta suprimir todas as riquezas e
características culturais tendo em vista um mundo homogéneo, estes jovens
precisam que não se perca a sabedoria dos vossos anciãos. O mundo de hoje,
prisioneiro do pragmatismo, tem necessidade de voltar a aprender o valor da
gratuidade.
Estamos
a celebrar a certeza de que «o Criador não nos abandona, nunca recua no
seu projecto de amor, nem Se arrepende de nos ter criado» (Enc. Laudato si’,
13). Celebramos que Jesus Cristo continua a morrer e ressuscitar em
cada gesto que temos para com o menor de nossos irmãos. Animemo-nos a continuar
a ser testemunhas da sua Paixão, da sua Ressurreição, encarnando «li smantal
Kajvaltike toj lek – a lei do Senhor é perfeita, reconforta a alma».
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