domingo, 31 de janeiro de 2016

Deus ou investimento de renda fixa?



Deus ou investimento de renda fixa?

Maria Emmir Oquendo Nogueira, Cofundadora da Comunidade Católica Shalom, chama a atenção para a “teologia retributiva” no relacionamento com Deus

Moedas. Por: Jon Sullivan. Wikimedia Commons

Ultimamente, tenho ficado impressionada com uma certa atitude conhecida por alguns como “teoria” ou mesmo “teologia retributiva” no relacionamento com Deus, também entre os católicos. A cada pregação, nos mais diversos locais do Brasil – nos outros países não sinto tão forte este fenômeno – alguém apresenta, de uma forma ou de outra, a seguinte pergunta: “Mas porque aconteceu isso comigo se eu procuro fazer tudo o que Deus quer?” e, a seguir, descreve como vai à missa e reza o terço diariamente, como socorre os pobres, como vai regularmente às reuniões da paróquia, como se confessa uma vez por mês, etc.

Outros, que enfrentam, como a quase totalidade dos brasileiros, desafios financeiros, colocam as coisas mais claramente: “Mas, porque é que eu estou com dificuldades se eu sou fiel ao dízimo todos os meses? A Bíblia não promete que se eu for fiel ao tributo do templo Deus vai ser fiel a mim?” Há ainda aqueles que, servindo a Deus com alegria e fidelidade na paróquia, grupos, encontros, comunidades, espantam-se e sentem-se inseguros quando morre um parente, a filha solteira engravida, o filho entra na droga, o cônjuge adultera, os familiares abandonam a Igreja: “Mas eu cuidei das coisas de Deus confiando que ele cuidaria das minhas! Como é que isso pode ter acontecido?” Ao grupo de decepcionados com as “atitudes” de Deus, somam-se os que exclamam, ressentidos: “Mas eu entreguei toda a minha vida a Deus! Consagrei-me a Ele! Por que Ele não me liberta deste pecado? Por que ainda tenho este vício? Por que ainda convivo com esta fobia? Por que continuo deprimido? O que me falta ainda dar a Deus? Você acha que é minha pouca fé?”

Cada vez que ouço algo parecido me vem uma lembrança e uma perplexidade. A lembrança é a de Maria, aos pés da cruz de Jesus, sustentada pela caridade que a une ao Filho, pela fé de que Deus é sempre amor e pela esperança da ressurreição que Ele prometera. A perplexidade refere-se ao tipo de formação que talvez alguns tenham recebido. Terá ela sido verdadeiramente católica, ou traz resquícios da tal teologia retributiva que reduz nosso relacionamento com Deus ao “dai-e-dar-se-vos-á”, típico de algumas visões não católicas? Será que estamos ensinando que tudo o que damos a Deus e o que “fazemos por Ele” tem como base essencial a gratuidade do amor? Será que estamos ensinando que o amor é, por essência, gratuito e que, ao nos entregarmos a Deus, ao servi-Lo, ao devolver o tributo, ao nos consagrarmos não temos nenhuma garantia de que as coisas vão ser como queremos ou pensamos que seriam? Será que deixamos claro que Deus, longe de ser um investimento de renda fixa, com retorno garantido, é Amor que corre todos os riscos por nós? Será que ensinamos que Deus não dá nenhuma garantia de retorno como nós pensamos que Ele deveria dar?

Ou, talvez, estejamos ensinando – e crendo! – que, se eu der dinheiro à paróquia Deus me dará o dobro; se eu servir à Igreja, Deus me servirá; se eu fizer tudo “certinho” Deus vai fazer com que tudo dê “certo” comigo e com os meus; se eu consagrar minha vida a Deus, tenho garantia de libertação e santidade, em uma negociação infindável de fazer inveja ao título mais promissor do mercado…

Ao olhar a vida dos santos, de Maria e do próprio Jesus, qualquer um ficaria facilmente desencantado com as ideias retributivas que empeçonham a mente de um católico, impedindo-o de ter a mente de Cristo. Tome-se, por exemplo, São Paulo: perseguições, apedrejamentos, naufrágios, falatórios, julgamentos, calúnias, prisões e morte. São Pedro não será muito diferente! Nem Jesus. Nem Maria. Nem Madre Teresa de Calcutá. Nem João Paulo II.

Alguém tem que voltar a ensinar que o amor a Deus, para ser amor, precisa ser absolutamente gratuito, sem nenhuma garantia de retorno. Pelo menos, não na nossa moeda, não na nossa medida.  O “dai e dar-se-vos-á”, a “medida boa, cheia, recalcada, transbordante” são um outro câmbio, uma outra moeda, a moeda do céu, que é sempre amor.

Maria Emmir Oquendo Nogueira
Cofundadora da Comunidade Católica Shalom
em “Entrelinhas” da Revista Shalom Maná
TT @emmiroquendo
Facebook/ mariaemmirnogueira
Coluna da Emmir – www.comshalom.org

Profetas da misericórdia



Profetas da misericórdia 

Reflexões Dom Alberto Taveira Corrêa, Arcebispo metropolitano de Belém do Pará 

Jesus viveu na cidade de Nazaré, dentro de todas as relações sociais de uma vilazinha habitada por pessoas briguentas e implicantes com as outras, com relações mais provincianas do que aquelas ainda encontradas em nossos dias, malgrado o crescimento, a técnica, comunicações e outros acréscimos mais oferecidos pela cultura corrente. Ali, quando alguém, criado nas vielas e no meio da criançada e depois juventude, aprendiz de carpinteiro, certamente amigo de tanta gente, volta e se faz realizador das profecias, o fato suscitou reações fortes que chegaram aos limites do ódio, com o qual muitos pretenderam eliminá-lo. Jesus teve que passar pelo meio da multidão, escapando para não ser lançado no precipício (Cf. Lc 4, 21-30). 
Entretanto, sua presença deixou estupefatos os habitantes de Nazaré: “Seus discípulos o acompanhavam. No sábado, começou a ensinar na sinagoga, e muitos se admiravam. ‘De onde lhe vem isso? ’, diziam. ‘Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E esses milagres realizados por suas mãos? Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, Joset, Judas e Simão? E suas irmãs não estão aqui conosco? ’ E mostravam-se chocados com ele. Jesus, então, dizia-lhes: ‘Um profeta só não é valorizado na sua própria terra, entre os parentes e na própria casa’. E não conseguiu fazer ali nenhum milagre, a não ser impor as mãos a uns poucos doentes. Ele se admirava da incredulidade deles. E percorria os povoados da região, ensinando” (Mc 6, 1-6).

Por onde passava, o povo experimentava a alegria: “Cheios de grande admiração, diziam: Tudo ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7, 37). O Senhor Jesus só fez o bem e manifestou a infinita misericórdia do Pai, não deixando passar perto de si os cegos, os coxos e estropiados, mudos, paralíticos, marginalizados e pecadores de todo tipo. Justamente por isso foi julgado, condenado e morto, para depois ressuscitar glorioso ao terceiro dia. Perto dele se encontravam os discípulos, começando pelos apóstolos, para alargar cada vez mais o círculo, chamando homens e mulheres do meio das multidões que se multiplicam pelos séculos afora. A porta é sempre a do perdão e da misericórdia. As testemunhas mais significativas são justamente aquelas que foram banhadas pelo óleo do perdão e acolhidas com o abraço do pastor, que vai ao encontro da ovelha perdida e a traz sobre os ombros. Há poucos dias, o Papa Francisco abençoou os carneirinhos dos quais é tirada a lã para confeccionar os pálios dos Arcebispos nomeados a cada ano, chamados justamente a serem sinais do amor misericordioso, que busca quem está perdido.

Mas esta é a vocação de todos os cristãos, feita também matéria do exame a ser aplicado no fim dos tempos, a prova da misericórdia. Se a Igreja e os cristãos são julgados, quem sabe condenados, perseguidos e incompreendidos, que seja pela prática da bondade e da misericórdia. Nas “nazarés” de todos os tempos, permita o Senhor que todos os discípulos de Jesus passem fazendo apenas o bem, e que suas mãos não se manchem com a iniquidade e eles não sejam motivo de escândalo para os pequeninos.
Como a fragilidade humana acompanha nossa história pessoal e de Igreja, a proclamação contínua da misericórdia, mormente em tempos transformados em “Jubileu”, somos convidados a acorrer ao trono do perdão ilimitado do Senhor. Ponto de partida é o reconhecimento sincero e honesto das fraquezas e pecados cometidos, para que assim o Espírito Santo encontre corações abertos à unção do perdão. Quem se julga mais perfeito do que os outros, espécime superior diante do comum dos mortais, fecha a porta para a experiência magnífica do perdão misericordioso de Deus e para o consequente crescimento na virtude. Daí a insistência da Igreja, no Ano da Misericórdia, convidando à peregrinação, oração, sacramento da Penitência, tudo isso simbolizado na passagem pelas muitas portas santas da Misericórdia abertas por toda parte.

Entretanto, a Igreja convida a espalhar a misericórdia, através das chamadas “Obras de Misericórdia”, para que todos experimentem a alegria de ser misericordiosos como o Pai. A Arquidiocese de Belém, inspirada pela proposta feita pelo Papa Francisco aos jovens que se preparam à Jornada Mundial da Juventude, convida todos os irmãos e irmãs que se sentem tocados pela graça do Jubileu, a colocarem em prática, pouco a pouco, estes gestos corporais e espirituais, durante o ano corrente. Para o mês de fevereiro, desejamos juntos praticar duas obras de misericórdia espirituais: Dar bom conselhos e ensinar os que precisam.

Aconselhar é orientar e ajudar a quem precisa. O Salmista nos convida a rezar: “Bendigo o Senhor que me aconselhou; mesmo de noite meu coração me instrui” (Sl 16, 7). Jesus nos orientou e aconselhou a não sermos cegos guiando cegos (Cf. Mt 15, 14), e também a primeiro tirarmos a trave do nosso olho, para depois tirar o cisco do olho do irmão (Lc 6, 39). Dar bons conselhos e não qualquer conselho. Para isso, é preciso mergulhar na graça do Espírito Santo e perceber os sinais de Deus que nos auxiliam na compreensão dos fatos. Aconselhar não é pretender adivinhar o futuro, muito menos projetar nossas angústias; é ajudar, à luz da oração e do conhecimento da vontade de Deus, a quem nos pede um discernimento nas opções e decisões a serem tomadas.

Ensinar os que precisam não é apenas transmitir conhecimentos, ensinar os valores  do Evangelho, formar  na doutrina e nos bons costumes éticos e morais. A história da salvação é sem dúvida uma instrução contínua e interrupta da parte de Deus para com a humanidade. Nossa tarefa é instruir as pessoas, começando pelo nosso exemplo, chegando à Palavra e os ensinamentos sistemáticos. À comunidade dos Colossenses Paulo diz: “A palavra de Cristo permaneça em vós com toda sua riqueza, de sorte que com toda sabedoria possais instruir e exortar-vos mutuamente.” (Cl 3, 16). Toda instrução que brota  da caridade, oração e paciência gera frutos em abundância.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A conversão de dois mil anos atrás, que fala ao coração de todos nós



São Paulo no caminho de Damasco é um testemunho vivo da misericórdia de Deus, não das virtudes de um homem



Conversão de São Paulo. Óleo sobre Tela de Caravaggio. Igreja de Santa Maria del Popolo

O que celebramos hoje na festa da Conversão de São Paulo, não são as virtudes heroicas do homem, mas a ação misericordiosa de Deus sobre o pecador, o encontro com Cristo que transforma o fariseu Saulo, perseguidor dos cristãos, em um novo homem, o apóstolo dos gentios, uma testemunha do Ressuscitado.

Não é a tradicional figura, com uma espada desembainhada na mão e o Evangelho em outra que encontramos na entrada da basílica a ele dedicada. Entre as pinturas que o retratam no momento do ‘choque’ na estrada para Damasco, está a de Caravaggio, que pode ser admirada hoje na igreja de Santa Maria del Popolo, na famosa praça homônima em Roma.

Saulo está no chão, com os braços levantados, parece conversar com alguém, sob o cavalo que está acima dele. Há outro homem na pintura, que segura ou talvez tenha tomado naquela ocasião, o cavalo pelas rédeas. Parece completamente indiferente à cena, enquanto o cavalo retrai, quase espantosamente, a pata da frente.
Conta o próprio Paulo, mais tarde, que apenas ele ouviu a voz de Cristo, enquanto os outros, que estavam com ele na estrada para Damasco, simplesmente viram o flash de luz.

Em 2008, em uma das audiências do Ano Paulino, Bento XVI explicou por que São Paulo nunca descreve este evento, a irrupção de Cristo em sua vida, em termos de conversão. São Paulo vive seu ser cristão como uma ressurreição após a morte de sua antiga vida.

Não se trata de uma adesão a uma filosofia, a uma moral particular. A conversão de Paulo é o encontro com Cristo vivo, ressuscitado, que o chama à fé e confia a ele a missão de pregar aos afastados. Paulo reconhece naquele portentoso acontecimento, na manifestação de Cristo em sua vida, o ato da misericórdia divina que celebramos este ano, um ato de misericórdia imerecido, porque no seu zelo farisaico, ele perseguia e queria matar todos os cristãos e por isso ele foi para Damasco.

Embora conheçamos Paulo por meio das cartas apaixonadas que ele escreve para as primeiras comunidades cristãs, exortando os seus irmãos, e facilmente o imaginemos em pé no meio da sinagoga, pregando, na realidade, este não é o efeito imediato da conversão.

Após o encontro com Cristo, Paulo se retira da vida pública. Ele permanece por três dias, sem conseguir enxergar, em oração e jejum, até o momento em que recupera a visão e recebe o batismo. Em seguida, permanece muito mais tempo no anonimato, em um retiro que dura três anos: um tempo necessário, talvez, para reorganizar, à luz de Cristo, vivo, ressuscitado, sua vida.

Posteriormente, nos anos de sua pregação, Paulo retorna sempre a esse encontro com Cristo que o marca, faz dele um novo homem e leva-o a dizer: “já não sou eu que vivo, mas Cristo vive em mim” (Gl 2, 20).

O encontro com o Cristo vivo, que morreu e ressuscitou, é central na pregação de Paulo e em suas cartas. Isso nunca será motivo de vangloria, mas sua experiência pessoal será usada como exemplo da infinita misericórdia de Deus, que o escolheu e cancelou seu passado para dar vida a um novo homem.

A festa da Conversão de São Paulo se enquadra bem no contexto das celebrações que, hoje, concluem a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, no Ano Jubilar da Misericórdia. Toda a história de Paulo é um testemunho vivo da misericórdia de Deus que realiza a conversão do coração. “…alcancei misericórdia – disse ele a Tomóteo – porque ainda não tinha recebido a fé e o fazia por ignorância” (1 Tim, 13). Porque Deus não se manifesta com a mesma força na vida de todos nós? Ainda na catequese de 2008, Bento XVI dizia precisamente que isso não é concedido a todos, ou talvez, nem todos precisem de um encontro tão forte com o Senhor. Mas, explicou o Papa Emérito, podemos encontrar a Deus na oração diária, na leitura de textos sagrados, na Eucaristia, na liturgia dominical.

Nós devemos rezar a Deus para que nos conceda a graça da conversão do coração que só pode vir do encontro com Ele. Não se trata de ser bom, afável, generoso, e não se trata apenas de uma série de comportamentos orientados para o bem.
 
É a relação pessoal com Cristo que converte o coração humano, o alarga, o torna grande como o de Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus – porque – “Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. 

Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo”(2 Coríntios 5,17).

Por Valentina Raffa

O celibato sacerdotal, um caminho de liberdade



Do 4 ao 6 de fevereiro, um congresso internacional na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma



“O celibato sacerdotal mantém todo o seu valor, também no nosso tempo, caracterizado por uma profunda mudança de mentalidade e de estruturas”. 

Palavras que parecem escritas hoje, mas cujo autor é o beato Paulo VI, que as colocava antes das várias questões apresentadas no começo da encíclica Sacerdotalis Caelibatus (n. 1-12). Palavras que inspiraram o congresso internacional que acontecerá do 4 ao 6 de fevereiro de 2016 na Sala Loyola da Pontifícia Universidade Gregoriana. Intitulado “O celibato sacerdotal, um caminho de liberdade”, o congresso deseja investigar a promessa celibatária como valor, analisando a sua positividade como modo autenticamente humano de doar-se na liberdade e a sua legitimidade para afirmar eclesialmente o próprio “sim” a Deus.

O primeiro dia começará com a saudação introdutória do Reitor Magnifíco da Gregoriana, o jesuíta Pe. François-Xavier Dumortier, e com a apresentação do congresso, organizado por mons. Tony Anatrella, psiquiatra, sacerdote da diocese de París e docente no Colégio des Bernardins. A seguinte conferência será do Card. Marc Ouellet, Prefeito para a Congregação dos Bispos, e também membro da Companhia dos sacerdotes de São Sulpizio, cujo carisma é a formação dos candidatos ao sacerdócio na direção dos seminários e na atualização do clero.

Na manhã de sexta-feira, 5 fevereiro, o tema do congresso será abordado segundo uma perspectiva bíblica pela Dra. Rosalba Manes (Faculdade de Missiologia e Teologia – Gregoriana), analisando o dom do celibato como apresentado no Novo Testamento, e por uma perspectiva histórica pelo Pe. Joseph Carola, SJ (Faculdade de Teologia – Gregoriana), que apresentará o apelo à tradição na defesa do celibato sacerdotal por parte do teólogo Johann Adam Mohler.

Na parte da tarde, serão realizadas em paralelo quatro workshop divididos por grupos de línguas (francês, inglês, italiano). Concluirá, na segunda tarde, a palestra de mons. Tony Anatrella sobre as condições psicológicas de um celibato feliz hoje.

O último dia, sábado 6 de fevereiro, oferecerá duas palestras. Mons. Joël Mercier, Secretário da Congregação para o Clero, vai oferecer uma leitura da encíclica “Sacerdotalis Caelibatus” do Beato Paulo VI, que marcará o quinquagésimo aniversário no próximo ano (1967-2017).

Em conclusão, a palestra do card. Pietro Parolin, Secretário de Estado, intitulada “O sacerdote ordenado ‘in persona Christi’”.