Profetas da misericórdia
Reflexões Dom Alberto Taveira Corrêa, Arcebispo
metropolitano de Belém do Pará
Jesus
viveu na cidade de Nazaré, dentro de todas as relações sociais de uma vilazinha
habitada por pessoas briguentas e implicantes com as outras, com relações mais
provincianas do que aquelas ainda encontradas em nossos dias, malgrado o
crescimento, a técnica, comunicações e outros acréscimos mais oferecidos pela
cultura corrente. Ali, quando alguém, criado nas vielas e no meio da criançada
e depois juventude, aprendiz de carpinteiro, certamente amigo de tanta gente,
volta e se faz realizador das profecias, o fato suscitou reações fortes que
chegaram aos limites do ódio, com o qual muitos pretenderam eliminá-lo. Jesus
teve que passar pelo meio da multidão, escapando para não ser lançado no
precipício (Cf. Lc 4, 21-30).
Entretanto, sua presença deixou estupefatos os
habitantes de Nazaré: “Seus discípulos o acompanhavam. No sábado, começou a
ensinar na sinagoga, e muitos se admiravam. ‘De onde lhe vem isso? ’, diziam.
‘Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E esses milagres realizados por suas
mãos? Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, Joset, Judas e
Simão? E suas irmãs não estão aqui conosco? ’ E mostravam-se chocados com ele. Jesus, então, dizia-lhes: ‘Um profeta só não é valorizado na sua própria terra,
entre os parentes e na própria casa’. E não conseguiu fazer ali nenhum milagre,
a não ser impor as mãos a uns poucos doentes. Ele se admirava da incredulidade
deles. E percorria os povoados da região, ensinando” (Mc 6, 1-6).
Por
onde passava, o povo experimentava a alegria: “Cheios de grande admiração,
diziam: Tudo ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc
7, 37). O Senhor Jesus só fez o bem e manifestou a infinita misericórdia do
Pai, não deixando passar perto de si os cegos, os coxos e estropiados, mudos,
paralíticos, marginalizados e pecadores de todo tipo. Justamente por isso foi
julgado, condenado e morto, para depois ressuscitar glorioso ao terceiro dia.
Perto dele se encontravam os discípulos, começando pelos apóstolos, para
alargar cada vez mais o círculo, chamando homens e mulheres do meio das
multidões que se multiplicam pelos séculos afora. A porta é sempre a do perdão
e da misericórdia. As testemunhas mais significativas são justamente aquelas
que foram banhadas pelo óleo do perdão e acolhidas com o abraço do pastor, que
vai ao encontro da ovelha perdida e a traz sobre os ombros. Há poucos dias, o
Papa Francisco abençoou os carneirinhos dos quais é tirada a lã para
confeccionar os pálios dos Arcebispos nomeados a cada ano, chamados justamente
a serem sinais do amor misericordioso, que busca quem está perdido.
Mas
esta é a vocação de todos os cristãos, feita também matéria do exame a ser
aplicado no fim dos tempos, a prova da misericórdia. Se a Igreja e os cristãos
são julgados, quem sabe condenados, perseguidos e incompreendidos, que seja
pela prática da bondade e da misericórdia. Nas “nazarés” de todos os tempos,
permita o Senhor que todos os discípulos de Jesus passem fazendo apenas o bem,
e que suas mãos não se manchem com a iniquidade e eles não sejam motivo de
escândalo para os pequeninos.
Como
a fragilidade humana acompanha nossa história pessoal e de Igreja, a
proclamação contínua da misericórdia, mormente em tempos transformados em
“Jubileu”, somos convidados a acorrer ao trono do perdão ilimitado do Senhor.
Ponto de partida é o reconhecimento sincero e honesto das fraquezas e pecados
cometidos, para que assim o Espírito Santo encontre corações abertos à unção do
perdão. Quem se julga mais perfeito do que os outros, espécime superior diante
do comum dos mortais, fecha a porta para a experiência magnífica do perdão
misericordioso de Deus e para o consequente crescimento na virtude. Daí a
insistência da Igreja, no Ano da Misericórdia, convidando à peregrinação,
oração, sacramento da Penitência, tudo isso simbolizado na passagem pelas
muitas portas santas da Misericórdia abertas por toda parte.
Entretanto,
a Igreja convida a espalhar a misericórdia, através das chamadas “Obras de
Misericórdia”, para que todos experimentem a alegria de ser misericordiosos
como o Pai. A Arquidiocese de Belém, inspirada pela proposta feita pelo Papa
Francisco aos jovens que se preparam à Jornada Mundial da Juventude, convida
todos os irmãos e irmãs que se sentem tocados pela graça do Jubileu, a
colocarem em prática, pouco a pouco, estes gestos corporais e espirituais,
durante o ano corrente. Para o mês de fevereiro, desejamos juntos praticar duas
obras de misericórdia espirituais: Dar bom conselhos e ensinar os que precisam.
Aconselhar
é orientar e ajudar a quem precisa. O Salmista nos convida a rezar: “Bendigo o
Senhor que me aconselhou; mesmo de noite meu coração me instrui” (Sl 16, 7).
Jesus nos orientou e aconselhou a não sermos cegos guiando cegos (Cf. Mt 15, 14), e também a
primeiro tirarmos a trave do nosso olho, para depois tirar o cisco do olho do
irmão (Lc 6, 39).
Dar bons conselhos e não qualquer conselho. Para isso, é preciso mergulhar na
graça do Espírito Santo e perceber os sinais de Deus que nos auxiliam na
compreensão dos fatos. Aconselhar não é pretender adivinhar o futuro, muito
menos projetar nossas angústias; é ajudar, à luz da oração e do conhecimento da
vontade de Deus, a quem nos pede um discernimento nas opções e decisões a serem
tomadas.
Ensinar
os que precisam não é apenas transmitir conhecimentos, ensinar os
valores do Evangelho, formar na doutrina e nos bons
costumes éticos e morais. A história da salvação é sem dúvida uma instrução
contínua e interrupta da parte de Deus para com a humanidade. Nossa tarefa é
instruir as pessoas, começando pelo nosso exemplo, chegando à Palavra e os
ensinamentos sistemáticos. À comunidade dos Colossenses Paulo diz: “A palavra
de Cristo permaneça em vós com toda sua riqueza, de sorte que com toda
sabedoria possais instruir e exortar-vos mutuamente.” (Cl 3, 16). Toda
instrução que brota da caridade, oração e paciência gera frutos em
abundância.
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