São
Paulo no caminho de Damasco é um testemunho vivo da misericórdia de Deus, não
das virtudes de um homem
Conversão de São Paulo. Óleo sobre
Tela de Caravaggio. Igreja de Santa Maria del Popolo
O
que celebramos hoje na festa da Conversão de São Paulo, não são as virtudes
heroicas do homem, mas a ação misericordiosa de Deus sobre o pecador, o
encontro com Cristo que transforma o fariseu Saulo, perseguidor dos cristãos,
em um novo homem, o apóstolo dos gentios, uma testemunha do Ressuscitado.
Não
é a tradicional figura, com uma espada desembainhada na mão e o Evangelho em
outra que encontramos na entrada da basílica a ele dedicada. Entre as pinturas
que o retratam no momento do ‘choque’ na estrada para Damasco, está a de
Caravaggio, que pode ser admirada hoje na igreja de Santa Maria del Popolo, na
famosa praça homônima em Roma.
Saulo
está no chão, com os braços levantados, parece conversar com alguém, sob o
cavalo que está acima dele. Há outro homem na pintura, que segura ou talvez
tenha tomado naquela ocasião, o cavalo pelas rédeas. Parece completamente
indiferente à cena, enquanto o cavalo retrai, quase espantosamente, a pata da
frente.
Conta
o próprio Paulo, mais tarde, que apenas ele ouviu a voz de Cristo, enquanto os
outros, que estavam com ele na estrada para Damasco, simplesmente viram o flash
de luz.
Em
2008, em uma das audiências do Ano Paulino, Bento XVI explicou por que São
Paulo nunca descreve este evento, a irrupção de Cristo em sua vida, em termos
de conversão. São Paulo vive seu ser cristão como uma ressurreição após a morte
de sua antiga vida.
Não
se trata de uma adesão a uma filosofia, a uma moral particular. A conversão de
Paulo é o encontro com Cristo vivo, ressuscitado, que o chama à fé e confia a
ele a missão de pregar aos afastados. Paulo reconhece naquele portentoso
acontecimento, na manifestação de Cristo em sua vida, o ato da misericórdia
divina que celebramos este ano, um ato de misericórdia imerecido, porque no seu
zelo farisaico, ele perseguia e queria matar todos os cristãos e por isso ele
foi para Damasco.
Embora
conheçamos Paulo por meio das cartas apaixonadas que ele escreve para as
primeiras comunidades cristãs, exortando os seus irmãos, e facilmente o
imaginemos em pé no meio da sinagoga, pregando, na realidade, este não é o efeito
imediato da conversão.
Após
o encontro com Cristo, Paulo se retira da vida pública. Ele permanece por três
dias, sem conseguir enxergar, em oração e jejum, até o momento em que recupera
a visão e recebe o batismo. Em seguida, permanece muito mais tempo no
anonimato, em um retiro que dura três anos: um tempo necessário, talvez, para
reorganizar, à luz de Cristo, vivo, ressuscitado, sua vida.
Posteriormente,
nos anos de sua pregação, Paulo retorna sempre a esse encontro com Cristo que o
marca, faz dele um novo homem e leva-o a dizer: “já não sou eu que vivo, mas
Cristo vive em mim” (Gl 2, 20).
O
encontro com o Cristo vivo, que morreu e ressuscitou, é central na pregação de
Paulo e em suas cartas. Isso nunca será motivo de vangloria, mas sua
experiência pessoal será usada como exemplo da infinita misericórdia de Deus,
que o escolheu e cancelou seu passado para dar vida a um novo homem.
A
festa da Conversão de São Paulo se enquadra bem no contexto das celebrações
que, hoje, concluem a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, no Ano
Jubilar da Misericórdia. Toda a história de Paulo é um testemunho vivo da
misericórdia de Deus que realiza a conversão do coração. “…alcancei
misericórdia – disse ele a Tomóteo – porque ainda não tinha recebido a fé e o
fazia por ignorância” (1 Tim, 13). Porque Deus não se manifesta com a
mesma força na vida de todos nós? Ainda na catequese de 2008, Bento XVI dizia
precisamente que isso não é concedido a todos, ou talvez, nem todos precisem de
um encontro tão forte com o Senhor. Mas, explicou o Papa Emérito, podemos
encontrar a Deus na oração diária, na leitura de textos sagrados, na
Eucaristia, na liturgia dominical.
Nós
devemos rezar a Deus para que nos conceda a graça da conversão do coração que
só pode vir do encontro com Ele. Não se trata de ser bom, afável, generoso, e
não se trata apenas de uma série de comportamentos orientados para o bem.
É a relação pessoal com Cristo que converte o coração humano, o alarga, o torna
grande como o de Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus – porque
– “Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura.
Passou o que era velho;
eis que tudo se fez novo”(2 Coríntios 5,17).
Por Valentina
Raffa
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